sábado, 2 de junho de 2012

SAÚDE É DIREITO DE TODOS?

GLEIDSON FRANCIEL RIBEIRO DE MEDEIROS. Especialista em Avaliação Fisioterapêutica pela UFRN, Fisioterapeuta do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN); Fisioterapeuta do Centro de Reabilitação Infantil/Adulto; Preceptor da Residência Multiprofissional em Saúde do HUOL/UFRN. Autor do livro: GUIA ILUSTRADO DE CINESIOTERAPIA NEUROLÓGICA BÁSICA.

Na última sexta feira, 01 de junho, recebi em meu celular a mensagem de que a greve dos servidores da saúde do Estado do RN havia acabado, que os ganhos foram mínimos (em torno de R$ 110,00), e que segunda feira voltaríamos às nossas atividades habituais.
Foram mais de sessenta dias de luta pleiteando-se, dentre outras coisas: um reajuste de 15% sobre o salário base, equivalente às perdas devidas a inflação dos dois anos anteriores; e melhores condições de trabalho para o servidor e, consequentemente, de assistência ao usuário.
A exemplo dos outros setores de prestação de serviços básicos à população; como a educação e a segurança; a saúde pública do RN passa por um histórico, contínuo, violento e, por que não dizer, dramático processo de precarização, com fortes tendências a uma triste extinção. Em nossos hospitais faltam recursos humanos, leitos, equipamentos, medicamentos, comida e até material de higiene; mas sobram filas e filas de pessoas carentes de socorro e cuidados. Os profissionais de saúde ganham um salário que ultrapassa vertiginosamente a escala do ridículo, chegando algumas categorias a receberem um básico menor que o mínimo, complementado, logicamente, por abonos, produtividades e gratificações para, dessa forma, poderem atingir os valores constitucionalmente exigidos. Os profissionais de nível superior ganham menos que os motoristas de ônibus da cidade (não acho que esses ganhem muito, só afirmo que aqueles ganham quase nada).
Alguns grupos ainda tentam heroicamente, para não dizer desesperadamente, impedir essa tragédia, mas suas forças são neutralizadas eficientemente pelo “poder de negociação do governo”; pelas magnilóquas políticas de prioridade, que no confronto de valores opta pela copa de 2014, pela festa que se avizinha; pelas campanhas de auto-promoção; ou usam como argumentos a lei de responsabilidade fiscal, que deveria ter como escopo somente promover o equilíbrio orçamentário e a proteção do patrimônio público, mas habitualmente é utilizada como força repressiva da voz reivindicatória das entidades, que lutam pelos direitos já não tão “fundamentais” para o sistema.
Por falar em direitos fundamentais, a saúde está descrita como um desses no rol do artigo 6º de nossa Constituição Federal. Os doutrinadores, linda e utopicamente, afirmam ser ele “um direito de eficácia programática, uma vez que se estabelecem planos, metas, objetivos, que devem ser alcançados. E para que estas normas tenham eficácia, urge que os Poderes Estatais tomem atitudes que possam concretizá-las, realizando, assim, os fins de interesse público consagrados na Carta Magna”. Entendo que tal definição está se opondo a atual conjuntura de nosso Estado, pois o que vemos são planos, metas e objetivos para exaurirem estes serviços e programaticamente vendê-los ao interesse privado.
Mas será que esta verdade também não está na história dos outros entes federados? Talvez até na da União? Ou será que a avassaladora precarização que vivenciamos nos serviços públicos, sobretudo na saúde e educação; motivada em geral pelo “canto da sereia” de sua privatização,  que vem carregado de promessas de mundos e fundos monetários; ou pelas desculpas da crise mundial; dos gastos com corrupção, declarados ou não na famosa TRANSPARÊNCIA; pelas políticas de “pão e circo” ou de “bolsas e copas”; são realidades apenas do nosso sofrido RN?
Será que o famigerado sistema capitalista está confundindo os valores da humanidade? E que, portanto, os representantes que escolhemos para exercerem o nosso poder (POVO), exercem de fato o poder do CAPITAL? E finalmente, que o imperativo categórico da dignidade como a expressão do valor do homem, de que Immanuel Kant incansavelmente falou e as constituições de todo o mundo tanto “asseguram” estão na verdade desguarnecidos em face ao preço, expressão do valor das coisas?
É  preciso refletir nosso voto? Se indignar com o poder injusto? Lutar para mudar esta realidade? Ou se resignar, esperando a providência divina, ou então, que tudo aconteça espontaneamente em favor do povo? Devemos ficar satisfeitos com nossos cento e dez reais de aumento e motivados pela esperança de que com este valor teremos a capacidade de comprar um ingresso para assistirmos o jogo da copa de 2014?


 "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade." (Immanuel Kant).